terça-feira, 3 de novembro de 2009

Escrito Fechado à Vó

Aos cabelos brancos de mechas simétricas e aos poucos pretos e dipostos em sua cabeça, o consentimento de minha visita, na portaria do hospital. Minha identidade deixada no balcão pelo crachá em troca, quarto 322.
Lugar em tom de branco refletido em azul pelos meus olhos à distância ao longo do corredor.
O ar é seco e, num dos corredores, no meu percurso até o seu quarto, havia enfileiradas e rente à parede, bruscamente branca, macas que, quando passei por elas com os olhos entreabertos de quem não os "pregou" na noite anterior, convidaram-me inóspita para um repouso ao meu cansaço. As macas, ao meu evidente estar zonzo, multiplicavam-se em quantidade infinita, até a curva, para o próximo corredor. Segui em direção ao quarto.
O horário de visita é cronometrado por mim, marcado no meu relógio de pulso analógico 57 minutos e restantes. Três minutos se passaram em procura de encontrar o número da porta em que ela estava.
Quando encontrei a sua porta e cheguei ao encontro, o encontro era comigo; Lembrei da minha infância e de poucos reflexos dela me segurando enquanto empurrava uma motoca vermelha que eu tinha. São poucos os flashes porque ela, desde que eu me conheço por gente, viveu em cidade do interior, próximo à Chapada da Diamantina. Me recordo de algumas bem poucas visitas que fiz a ela. Ela quem vinha mais.
Os cabelos, sempre grisalhos em minha memória, e a pele absurdamente macia me vestia as mãos em tecido de seda quando punha as suas sobre as minhas, no guidão da motoca, me impulsionava para a frente. O sol era típico de início de verão, quente e de vento fresco.
Minhas mãos apoiadas no áspero proposital do plástico para não escorregar o meu guiar do brinquedo. E o esforço se fez em andar, na época, o meu automóvel.
Suas mãos claras e delicadas me revestiam geladas de água de cachoeira, no verão. Me refrescavam o peito da mão e os dedos de um punho fechado e suado, enquanto eu pedalava.
Na mão esquerda, próximo ao coração, encaixada no dedo dela a aliança cor de ouro e amarelada pelo tempo. O respeito permanente da lembrança de quem se foi. O seu metal gelado era agradável ao enconstar a sua palma esquerda no meu, também, esquerdo peito da mão.
O calor sobre nós, sua mão sobre a minha.

(Cheguei ao quarto. A rosa em minham mãos é a vermelha. Ao pré-aviso, bati três vezes na porta e entrei.)
Vó?
Como tem passado nesse lugar?

(Sua fala eternamente serena, cativador é de ouvir. Sorri. )
Minha filha, bom não é! Mas se tem que ser.

- Tão te tratando bem?
- Como tratam um doente, não é? Eu estou bem.
- Trouxe suco natural! Como anda a diabetes, o médico disse?
- Veja o controle dessa semana, está bem aqui, anotado na ficha, ao pé da cama.
(Ariana como eu e mesmo decanato.)

Peguei o papel sobreposto na medeira, havia melhorado.
- Ela me lançou um olhar e sorriu.

Sentei ao seu lado, acarinhei as suas mãos nos durante 57 minutos.

Antes de sair mergulhei o caule da rosa num recipiente com água, deixei no criado mudo, do lado da cama e disse: Até a próxima visita, te espero.

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